O marido a abandonou, ela está doente, as crianças passando privações. Um homem passa por ali e se condói.
– Situação terrível! – considera com seus botões.
Abre a carteira, estende-lhe alguns trocados e despede-se, proclamando, enfático:
– Deus a abençoe e proteja minha irmã!
Por instantes, brilhou em seu coração uma réstia de amor, infiltrando-se no egoísmo humano.
Não obstante, consideremos leitor amigo: que amor inoperante! Amor inútil!
Um arremedo de amor, que transferiu para Deus a iniciativa de ajudar de forma efetiva a sofredora senhora.
Ele deveria fazê-lo! Superar a famosa zona de conforto. Conversar com ela, anotar seu endereço, visitá-la, conhecer suas carências, mobilizar recursos em seu favor, até mesmo com uma orientação sobre órgãos públicos que poderiam atendê-la.
É impressionante, caro leitor, como, sem constrangimento, damos encargos ao Pai celeste:
Se alguém está em dificuldade:
– Deus o ajude!
Se alguém está enfermo:
– Deus há de curá-lo!
Se alguém está atormentado:
– Deus o ampare!
Se alguém tem problemas:
– Deus resolverá.
Até em assuntos de caráter pessoal, o mesmo comportamento:
Se alguém nos faz um favor:
– Deus lhe pague!
Se alguém nos causa prejuízos:
– Deus o castigue!
Se alguém nos magoa:
– Deus está vendo!
Seríamos bem mais eficientes no propósito de ajudar alguém se, em vez de criar encargos para a divindade, nos colocássemos a serviço do Senhor, medicando o doente, socorrendo o necessitado, consolando o aflito, perdoando o ofensor, orando pelos que nos perseguem e caluniam, como ensinava Jesus.
Nunca ouvi alguém dizer que, atendendo às solicitações humanas, o Criador materializou-se e resolveu o problema, ou atendeu à sua fome, entregando-lhe uma cesta básica…
Podemos afirmar que o Senhor não faz isso porque não pode?
Obviamente, não. É onipotente.
Não sabe?
Claro que sabe! É onisciente.
Não quer?
Absurdo! Deus é a misericórdia em plenitude.
Então não faz por quê?
Podemos responder a essa pergunta lembrando uma observação de André Luiz, em psicografia de Francisco Cândido Xavier, no livro Ação e reação “[...] o Criador atende a criatura por intermédio das próprias criaturas. [...]”.
É fácil entender isso. O grande desafio no atual estágio evolutivo é vencer o egoísmo, a tendência de pensarmos muito em nós mesmos, com alheamento em relação ao próximo.
Estamos na contramão do universo, que é regido pela solidariedade, fi lha do amor.
Ao deixar à criatura humana o encargo de atender seus fi lhos, Deus nos oferece os recursos para vencer o egoísmo e, ao mesmo tempo, nos transformarmos em instrumentos da misericórdia divina.
Quando nos preocupamos em fazer algo em favor do próximo, é Deus quem fala por nós, quem nos inspira, quem nos conduz, quem nos realiza no esforço do bem...
Dizia o apóstolo Paulo, na exaltação da fé (Romanos, 8:31): “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”.
A consciência da proteção divina é o grande apoio, o grande estímulo, oferecendo-nos força e coragem para enfrentar as atribulações do mundo. Podemos fazer ainda melhor: estarmos com Deus, cumprindo os programas da misericórdia divina.
Como? É simples:
Basta fazer ao próximo o bem que gostaríamos de receber dele, como ensinava Jesus.
Ricard Simonetti
Reformador|junho 2015