quinta-feira, 25 de junho de 2015

TERCEIRIZAÇÃO

Em praça pública, a senhora de meia-idade, com quatro filhos pequenos, um em seus braços, pede auxílio. 
O marido a abandonou, ela está doente, as crianças passando privações. Um homem passa por ali e se condói. 
– Situação terrível! – considera com seus botões. 
Abre a carteira, estende-lhe alguns trocados e despede-se, proclamando, enfático: 
– Deus a abençoe e proteja minha irmã! 
Por instantes, brilhou em seu coração uma réstia de amor, infiltrando-se no egoísmo humano. 
Não obstante, consideremos leitor amigo: que amor inoperante! Amor inútil! 
Um arremedo de amor, que transferiu para Deus a iniciativa de ajudar de forma efetiva a sofredora senhora. 
Ele deveria fazê-lo! Superar a famosa zona de conforto. Conversar com ela, anotar seu endereço, visitá-la, conhecer suas carências, mobilizar recursos em seu favor, até mesmo com uma orientação sobre órgãos públicos que poderiam atendê-la. 
É impressionante, caro leitor, como, sem constrangimento, damos encargos ao Pai celeste: 
Se alguém está em dificuldade: 
– Deus o ajude! 
Se alguém está enfermo: 
– Deus há de curá-lo! 
Se alguém está atormentado: 
– Deus o ampare! 
Se alguém tem problemas: 
– Deus resolverá. 
Até em assuntos de caráter pessoal, o mesmo comportamento: 
Se alguém nos faz um favor: 
– Deus lhe pague! 
Se alguém nos causa prejuízos: 
– Deus o castigue! 
Se alguém nos magoa: 
– Deus está vendo! 
Seríamos bem mais eficientes no propósito de ajudar alguém se, em vez de criar encargos para a divindade, nos colocássemos a serviço do Senhor, medicando o doente, socorrendo o necessitado, consolando o aflito, perdoando o ofensor, orando pelos que nos perseguem e caluniam, como ensinava Jesus.
Nunca ouvi alguém dizer que, atendendo às solicitações humanas, o Criador materializou-se e resolveu o problema, ou atendeu à sua fome, entregando-lhe uma cesta básica… 
Podemos afirmar que o Senhor não faz isso porque não pode? 
Obviamente, não. É onipotente. 
Não sabe? 
Claro que sabe! É onisciente. 
Não quer? 
Absurdo! Deus é a misericórdia em plenitude. 
Então não faz por quê? 
Podemos responder a essa pergunta lembrando uma observação de André Luiz, em psicografia de Francisco Cândido Xavier, no livro Ação e reação “[...] o Criador atende a criatura por intermédio das próprias criaturas. [...]”.
É fácil entender isso. O grande desafio no atual estágio evolutivo é vencer o egoísmo, a tendência de pensarmos muito em nós mesmos, com alheamento em relação ao próximo. 
Estamos na contramão do universo, que é regido pela solidariedade, fi lha do amor. 
Ao deixar à criatura humana o encargo de atender seus fi lhos, Deus nos oferece os recursos para vencer o egoísmo e, ao mesmo tempo, nos transformarmos em instrumentos da misericórdia divina. 
Quando nos preocupamos em fazer algo em favor do próximo, é Deus quem fala por nós, quem nos inspira, quem nos conduz, quem nos realiza no esforço do bem... 
Dizia o apóstolo Paulo, na exaltação da fé (Romanos, 8:31): “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”. 
A consciência da proteção divina é o grande apoio, o grande estímulo, oferecendo-nos força e coragem para enfrentar as atribulações do mundo. Podemos fazer ainda melhor: estarmos com Deus, cumprindo os programas da misericórdia divina. 
Como? É simples: 
Basta fazer ao próximo o bem que gostaríamos de receber dele, como ensinava Jesus.
Ricard Simonetti
Reformador|junho 2015